Na mitologia
grega, Prometeu foi um titã defensor da humanidade, conhecido por sua
astúcia e inteligência. Ele foi responsável por roubar o segredo do
fogo divino e dar aos mortais, ato que foi severamente punido pelos
deuses...
Há muito tempo o homem tem sondado os segredos da natureza, e
desde cedo houveram muitos que afirmavam que era inútil seguir adiante:
não se podia desafiar aos deuses. Mas outros, tal qual Prometeu, não
esmoreceram ante o desconhecido, e é precisamente graças a esses
últimos que devemos boa parte de nossa filosofia, ciência e – porque
não dizer – espiritualidade.
Este paradoxo entre a inconcebível natureza da Natureza –
parafraseando Feynman – e o nosso esforço para compreendê-la e domá-la,
tal qual um tigre feroz, é algo que permeia toda a história de nossa
cultura. Os avanços científicos, no entanto, têm espantado e assustado a
muitos: a mesma energia (nuclear) que abastece um hospital pode
dizimar cidades inteiras em segundos; os cientistas não só mapearam o
genoma humano como prometem um dia “reprogramar” os corpos de nossas
crianças ainda na gestação; etc. Tudo isso levanta profundas questões
éticas.
Nesse contexto: estaria tal conhecimento relegado as trevas (como
querem os fundamentalistas)? Ou ainda é possível unir os avanços
científicos com o debate ético que permeou nossa cultura desde o
advento das primeiras religiões? Em suma: o que a ciência tem a ganhar
com a espiritualidade?
Antes
de responder a esta pergunta, é necessário que se faça uma separação e
explicação da diferença gritante entre Religião e Espiritualidade. No
mundo de hoje, infelizmente, estas duas palavras estão misturadas no
meio de muita ignorância e fundamentalismo dogmático.
Espírito, para os ocultistas, representa o sopro de realização
divina que habita em todos os homens, que conhecemos como “Inspiração”.
Espírito é definido pelo conjunto total das faculdades intelectuais.
Ele é freqüentemente considerado como um princípio ou essência da vida
incorpórea (religião e tradição espiritualista da filosofia), mas pode
também concebida como um princípio material (conjunto de leis da física
que geram nosso sistema nervoso).
Na Antiguidade, o sopro e o que ele portava (Alef, o som, a
voz, a palavra, o nome) continha a vida, seja em protótipo, em
essência ou em potência (mítica). No tronco judaico-cristão das
religiões diz-se que “Deus soprou o barro para gerar o (ser no) homem”.
Simbolicamente, a terra representa à parte material do corpo e o sopro a
parte de nossa consciência que até hoje não foi reproduzida em
laboratório; estando, portanto, além dos domínios do método científico
atual.
Religiões são invenções humanas
Religiões, por outro lado, são invenções humanas.
Grilhões da vontade moldados por pessoas que se utilizam da falta de
conhecimento e estudos de outras para obter poder e dinheiro sobre
elas. Um verdadeiro veneno da humanidade.
Sendo a Espiritualidade a busca constante pelo conhecimento e pela
pesquisa dentro da Ética, a Ciência pode ser considerada a irmã mais
nova da espiritualidade, ao lado das Artes e da Filosofia. Porém, a
ciência, tal qual a arte e a filosofia, são amorais.
Desta maneira, a espiritualidade deve sempre guiar a utilização do
conhecimento em busca do bem maior e do desenvolvimento da humanidade.
Os Iluministas e alquimistas chamaram este movimento de “Humanismo”. O humanismo,
da maneira como os alquimistas o vêem, propõe ao ser humano a
realização de um processo de evolução que o leve a superar suas
qualidades até alcançar a excelência de sua condição humana. González Pecotche
afirma que o humanismo é "parte do próprio ser sensível e pensante,
que busca consumar dentro de si o processo evolutivo que toda a
humanidade deve seguir. Sua realização nesse sentido haverá, depois, de
fazer dele um exemplo real daquilo que cada integrante da grande
família humana pode alcançar".
Não é de se espantar que, em sociedades nas quais as casas e barcos
eram construídos com madeira e pedra, seus deuses possuíam como
principal arma um martelo. O Martelo, simbolicamente, representa a
vontade e o conhecimento técnico que pode ser usado tanto para
construir quanto para esmagar a cabeça de um inimigo. Só depende de quem
o estiver utilizando.
Se o conhecimento pode criar problemas, não é através da ignorância que iremos resolvê-los, definiu melhor do que ninguém Isaac Asimov. Nossas mitologias de certa forma refletem esta sabedoria. Na mitologia grega em Hesíodo,
o conhecimento concedido à humanidade representado pelo fogo de
Prometeu é punido por Zeus através de Pandora e sua caixa. Todos os
males do mundo são uma punição pelo conhecimento roubado dos deuses, e
eles não podem ser contidos novamente. Mesmo no mito do Jardim do Éden,
é curiosamente também uma mulher a levar ao pecado original do fruto do
conhecimento, que uma vez provado leva à expulsão sem volta de Adão e
Eva do Paraíso. Conhecimento é um atributo divino, mas todos os
problemas que ele causa são um caminho do qual não há retorno.
Seria então o conhecimento uma maldição? Tanto na mitologia grega
quanto na cristã, entende-se que éramos imortais antes do conhecimento,
mas Carl Sagan em Os Dragões do Éden
fornece uma interpretação profunda a estas mitologias ocidentais: não é
que fôssemos realmente imortais, é que simplesmente não possuíamos
conhecimento sobre a morte. Um papagaio pode ser imortal simplesmente
porque jamais entenderá que um dia irá morrer. Ele é imortal enquanto
vive. A ignorância pode ser uma benção, mas é uma que ultimamente nos
iguala aos animais, e neste sentido, mais do que benção a ignorância é,
ela sim, uma maldição. É justamente no desafio aos deuses na busca do
conhecimento que nos aproximamos de algo divino.
Depois de milênios, e indo muito além dos antigos gregos,
sistematizamos a aquisição de conhecimento sobre o mundo natural
através daquilo que chamamos de ciência. E avançamos incrivelmente, o
que antes os gregos especulavam, como os átomos, hoje conhecemos e
manipulamos em seus componentes, dos elétrons à tecnologia nuclear, um
tipo de fogo fundamentalmente diferente, com poder e ordens de
magnitude maior. É um novo fogo de Prometeu. Seria uma nova maldição?
O problema não é o conhecimento, é a sabedoria
O problema não é o conhecimento, é a sabedoria,
ou a falta dela. Não conseguimos sistematizar a aquisição de
sabedoria. A filosofia tenta promovê-la e muitas religiões tentam se
apropriar dela, mas nenhuma delas é tão bem sucedida na aquisição de
sabedoria quanto à ciência o é na aquisição de conhecimento. Em efeito,
pode-se dizer que parte das religiões e filosofias é contrária à busca
tanto por sabedoria quanto por conhecimento, retraindo-se ao invés no
dogma e na ignorância. São tudo aquilo de que não precisamos.
É neste desequilíbrio entre o sucesso espetacular da ciência na
busca por conhecimento e o fracasso em termos da filosofia e da
religião na busca por sabedoria que nos encontramos hoje. Muitos
percebem esta preocupante situação, e apelar à espiritualidade, como um
conceito anterior à religião, é uma resposta buscada assim como
aqueles que buscam a religiosidade ao invés da religião.
São tentativas, embora fundamentalmente estas abordagens difiram
apenas em seu escopo, ao promover uma busca por sabedoria individual ao
invés daquela ditada coletivamente. No ponto em que promovem o livre
arbítrio e o questionamento são positivas, mas deixam de lado algo da
sabedoria que a coletividade também pode oferecer.
Acredito que além da espiritualidade e da religiosidade, como
sentimentos individuais; além da filosofia e da religião como práticas
coletivas, há algo mais promissor na busca por sabedoria tão necessária
para lidar com os desafios impostos pelo conhecimento: o livre debate
fundamentado nesse mesmo conhecimento.
Temos hoje as ferramentas tecnológicas para o livre debate como
nunca antes tivemos, porém nos falta um conhecimento compartilhado
sobre as questões que precisamos debater. Temos espiritualidade, temos
religiosidade, temos conhecimento acumulado em livros, computadores,
cientistas, mas falta conhecimento democratizado, popularizado. De pouco
adianta querer o bem de todos se ao discutir sobre a energia nuclear,
não se sabe realmente o que é um átomo. Não há sabedoria sem conhecimento.
Se o conhecimento pode criar problemas a todos nós, é compreendendo-os coletivamente que iremos resolvê-los.
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